Um imunologista traça P.1, a variante brasileira de COVID

Existem atualmente mais de 1.200 linhagens variantes do coronavírus COVID-19 identificadas no mundo. Os vírus estão em constante mutação, portanto, qualquer mutação da cepa original identificada em Wuhan, China, é considerada uma variante. Quanto mais vezes o COVID-19 é transmitido de pessoa para pessoa, maior é o risco de mutações.

Mas nem todas as variantes são de igual importância para os especialistas em saúde pública, que se concentram nas que podem tornar o COVID-19 mais transmissível, mais grave ou que pode interferir na eficácia da vacina ou na precisão dos testes.

Dessas 1.200 linhagens, o CDC relata cinco variantes de preocupação circulando nos Estados Unidos. B.1.1.7 – o mais prevalente nos EUA, em 53.819 casos – foi relatado pela primeira vez em Kent, no sudeste da Inglaterra, em dezembro de 2020. Ele se espalhou rapidamente pelo Reino Unido e depois para mais de 100 países. P.1, a segunda variante mais comum nos EUA com 2.598 casos, foi relatada pela primeira vez em 10 de janeiro de 2021, em viajantes japoneses retornando de Manaus para Tóquio, Brasil.

Lar de 2 milhões de pessoas, cemitérios improvisados ​​de Manaus aparecem no novo documentário FRONTLINE O vírus que abalou o mundo. O Brasil perde apenas para os EUA no número total de mortes por COVID-19, com P.1 – identificado pela primeira vez nos EUA em 26 de janeiro, quando um paciente de Minnesota adoeceu após uma viagem ao Brasil – causando a maioria das novas infecções no Brasil Março e abril. P.1 também foi responsável por cerca de 30% das quase 400.000 mortes do país até o momento, de acordo com o Brasil.io, um painel colaborativo.

Para entender como P.1 cresceu e se espalhou por 40 países, o FRONTLINE conversou em português com Ester Sabino, imunologista e professora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, e coordenadora local de uma iniciativa de pesquisa em vírus entre Brasil e Reino Unido. Sua equipe foi a primeira a sequenciar o genoma COVID-19 no Brasil e foi uma das primeiras a detectar a variante P.1.

Quando a variante P.1 foi identificada pela primeira vez no Brasil?

Na semana de 4 de janeiro de 2021, recebemos as amostras de um laboratório de Manaus. Apresentamos os resultados à secretaria de saúde de Manaus no dia 10 de janeiro, mesmo dia em que aconteceu o laudo do Japão.

Quando vimos a primeira sequência, ficamos alarmados, porque era muito diferente. Havia várias mutações na sequência, incluindo aquelas associadas com transmissão superior em B.1.1.7, a variante do Reino Unido. Tivemos uma reunião com outras equipes e informá-los do que encontramos. Fiocruz [another Brazilian public health institute] também o encontrei.

Havíamos publicado um papel dizendo que muitas pessoas [up to 76% of Manaus’ population, as of October 2020] foi exposto ao vírus. Portanto, qualquer coisa que pudesse iniciar uma nova epidemia em Manaus exigiria um entendimento diferente.

Uma variante explicaria o problema: ou as pessoas perderam a imunidade ao vírus muito rápido ou algo muito diferente estava acontecendo. Nenhuma das alternativas era uma boa notícia.

De onde vem uma variante?

Isso é algo que ainda não entendemos, mesmo para a variante detectada em Kent. Tem muitas mutações, apareceu repentinamente e se espalhou rapidamente. P.1 também é assim. O cálculo que fizemos é que começou em algum momento de novembro em Manaus, ou em um local do Amazonas próximo a Manaus. Existe a hipótese de que variantes com muitas mutações ao mesmo tempo venham de pacientes imunocomprometidos, mas ainda é uma hipótese.

Fale-nos através da linha do tempo, conforme P.1 se espalha.

Nos meses de novembro e dezembro, a variante começou a se espalhar em Manaus. Portanto, todos os voos que partiam de Manaus possivelmente transportavam passageiros infectados para vários lugares do Brasil e do mundo. Mesmo depois que os cientistas detectaram o problema, o governo brasileiro não cancelou voos. Muitos pacientes e familiares foram transferidos para outras cidades do Brasil para tratamento, e os voos continuaram. A variante foi se espalhando, pouco a pouco, e assumindo o controle.

Tivemos um aumento de confraternizações no final do ano. Em janeiro e fevereiro, P.1 já havia se espalhado por todo o Brasil. Em março, [the variant spread] de forma sincronizada: Todos [Brazilian] os estados tinham altas taxas de transmissão ao mesmo tempo. P.1 é até 2,4 vezes mais transmissível, em comparação com a primeira onda de infecções. Ainda não é possível comparar P.1 e as outras duas variantes [from Kent and South Africa].

P.1 se transformou em outras variantes?

Ainda não. Temos que continuar sequenciando P.1 para entender como ele vai evoluir. Primeiro, tínhamos que entender o quanto ele se espalhou pelo Brasil e com que rapidez. Nesta semana, dados do estado do Rio de Janeiro mostram que quase 100% das novas infecções por lá são atribuídas ao P.1.

Quantas outras variantes estão circulando atualmente no Brasil?

Detectamos três variantes no Brasil, principalmente recentemente a variante sul-africana. Existem milhares de linhagens, mas o que realmente importa são as variantes de preocupação: quando uma variante começa a dominar ou há qualquer tipo de mudança em seu comportamento.

O que o Brasil fez para conter a variante?

É muito difícil no Brasil, porque temos um presidente mandando as pessoas vá lá fora o tempo todo. [President Jair Bolsonaro has called complaints from critics plots against him.]

O ministério da saúde do Brasil é muito desorganizado. [Brazil has had four different health ministers since the pandemic began, and the Bolsonaro administration stopped making COVID data publicly available online from June 5 to June 9, 2020, when a supreme court judge ordered it to resume.]

É muito difícil para indivíduos, grupos ou mesmo estados agirem sem coordenação federal.

O que foi feito aqui não resolverá o problema. (…) Você precisa de um plano, de uma comunicação clara que as pessoas possam entender e que, se quisermos proteger a população, todos terão que trabalhar muito. Distanciamento social, uso de máscara: não há outra escolha.

Existem lições para outros países?

A boa notícia é que P.1 parece ser sensível à vacina.

As variantes aparecerão em muitos lugares diferentes do mundo, por isso é muito importante que o mundo todo seja vacinado. Se a população dos EUA for vacinada, é claro, os EUA estarão mais seguros. Mas nunca será totalmente seguro, se variantes continuarem aparecendo em todo o mundo.

Assistir a Parte 1 de O vírus que abalou o mundo na íntegra abaixo.


Paula Moura, Tow Journalism Fellow, FRONTLINE / Newmark Journalism School Fellowship, LINHA DE FRENTE

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