No semiárido brasileiro, agrovoltaicos se mostram promissores para alimentação e segurança energética

  • Estudos recentes mostraram que sistemas agrovoltaicos, que combinam geração de energia solar com agricultura de alimentos, podem ser uma estratégia de desenvolvimento sustentável em regiões com escassez de água.
  • Um projeto piloto no semiárido nordestino consiste em uma série de painéis solares, sob os quais podem ser cultivadas hortaliças e peixes e galinhas criados, oferecendo segurança alimentar e energética para os usuários.
  • Se ampliados, os agrovoltaicos também podem gerar eletricidade para todo o Brasil, segundo os proponentes do projeto, ao mesmo tempo em que impulsionam a produção de alimentos e permitem a restauração de terras degradadas ou desertificadas.
  • O projeto piloto do sistema, conhecido como Ecolume, tem mostrado resultados promissores, mas tem havido pouco interesse entre os formuladores de políticas brasileiras em replicá-lo mais amplamente ou mesmo promovê-lo como uma solução para os desafios da produção de alimentos e energia.

Altos níveis de insegurança alimentar, hídrica e energética trazidas por questões socioeconômicas e exacerbadas pelas mudanças climáticas têm impulsionado grupos de pesquisa a encontrar novas soluções. UMA estudo de 2020 do Brasil mostra que os sistemas solares agrovoltaicos podem ser uma solução com grande potencial. Esses sistemas combinam produção de alimentos e geração de energia solar no mesmo espaço físico para maximizar os resultados e reduzir o uso de recursos naturais.

O primeiro sistema agrovoltaico do Brasil chama-se Ecolume. Foi desenvolvido por uma rede de mais de 40 pesquisadores brasileiros e financiado pelo CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Um projeto piloto foi instalado na escola de agroecologia SERTA, no município de Ibimirim, em Pernambuco, em 2019, sob a coordenação do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).

O climatologista do IPA e coordenador do Ecolume, Francis Lacerda, diz que o projeto evoluiu devido a preocupações sobre como produzir alimentos suficientes no semiárido brasileiro. Essas regiões historicamente sofreram escassez de água devido à seca e ao aumento das temperaturas, e garantir a produção de alimentos durante todo o ano tornou-se um problema.

Lacerda diz que os pesquisadores também queriam provar que, apesar de terem o menor índice de desenvolvimento humano no Brasil de hoje, a região nordeste do país é abundante em recursos naturais como o sol e a biodiversidade do cerrado da Caatinga. “A Ecolume nos ajudou a desenvolver um modelo de produção que [the region’s] potencial e recursos”, diz ela.

O sistema Ecolume funciona na escola de agroecologia SERTA em Pernambuco desde 2019. Integra aquaponia, reúso de água e painéis fotovoltaicos para tornar a escola autossuficiente em alimentos, água e geração de energia elétrica. Imagem cortesia de Ecolume.

Sustentabilidade alimentar e hídrica

O Sistema Agrivoltaico Ecolume, que atende pela sigla SAVE, aproveita ao máximo os escassos recursos hídricos locais, reaproveitando a água e captando a água da chuva. É composto por 10 painéis fotovoltaicos que cobrem 24 metros quadrados (258 pés quadrados), instalados a uma altura de 2 metros (6 pés) acima do solo. Um aquaponia sistema é instalado abaixo dos painéis solares para cultivo combinado de produtos e peixes, juntamente com um galinheiro.

O engenheiro de produção Heitor Sabino ajudou a instalar o sistema Ecolume na escola SERTA. Ele diz que o modelo melhora a produção agrícola no semiárido porque a sombra dos painéis solares protege as lavouras do calor excessivo, proporcionando um microclima mais ameno e úmido, ideal para o desenvolvimento de plantas e animais. A sombra também ajuda a reduzir a perda de água por evapotranspiração, e a combinação de aquaponia e sistema de reaproveitamento de água permitir uma irrigação mais sustentável do que na agricultura convencional.

Em simulações realizadas por pesquisadores da Ecolume, o sistema agrovoltaico produziu até 70% mais vegetais e reduziu a necessidade de água, dependendo da cultura e do ambiente. UMA estudar realizado na Universidade do Arizona, no sudoeste dos Estados Unidos — região que também sofre com escassez de água — mostrou rendimentos duas a três vezes maiores para algumas frutas e hortaliças plantadas sob painéis solares. Os sistemas de reciclagem e tratamento de água SAVE também mostraram uma economia de 90% na água utilizada para irrigação.

Lacerda diz que o SAVE é a prova de que a agricultura pode ser adaptada ao clima semiárido do nordeste brasileiro, onde os padrões de chuvas sempre foram muito variáveis, e que agora é tornando-se mais seco e mais quente devido às mudanças climáticas. O SAVE permite produzir alimentos saudáveis ​​durante todo o ano com pouca água e sem pesticidas nessas condições, dizem seus defensores.

O Ecolume foi desenvolvido para a produção em pequena escala de culturas, principalmente vegetais e eletricidade. Pode suprir as necessidades básicas de uma família de cerca de sete pessoas ou gerar uma receita anual de cerca de 11 mil reais (US$ 2.100). Sabino diz que se o sistema fosse replicado como uma rede de pequenas unidades distribuídas pelo nordeste brasileiro, poderia ajudar a resolver os graves problemas de fome, nutrição e energia da região.

Lacerda diz que o sistema também pode combater outros problemas na região. Apesar da rica biodiversidade de vida vegetal e animal da Caatinga, 46% de sua vegetação nativa foi destruída, principalmente para lenha e para agricultura e pecuária. Combinar a produção de energia e alimentos em uma única área com um sistema agrovoltaico significa reduzir o desmatamento e o uso da terra, além de liberar terras que podem ser reflorestadas e restauradas. Isso pode ajudar a mitigar a crise climática da região, diz Lacerda.

Energia sustentável

“Hoje a Caatinga está sendo desmatada para criar mega fazendas de energia fotovoltaica, mas isso é contraproducente”, diz Lacerda. Esse tipo de produção de eletricidade não só é ambientalmente insustentável, acrescenta ela, como também é menos eficiente e mais caro do que o modelo agrovoltaico.

Estudos mostraram que o calor excessivo faz com que os painéis solares percam sua eficiência de geração de energia. Cultivar sob os painéis é uma solução potencial porque o vapor de água gerado pela transpiração das plantas reduz a temperatura do ar e evita o superaquecimento dos painéis. Isso, por sua vez, aumenta sua eficiência.

As simulações do Ecolume mostraram um aumento médio de 75 quilowatts-hora na produção de energia solar após a instalação de sistemas aquapônicos sob os painéis devido ao seu efeito de resfriamento, diz Sabino.

É também um modelo de produção barato – o projeto piloto SAVE de 24 m2, por exemplo, custou cerca de 20.000 reais (US$ 3.750) – o que tornaria economicamente viável cultivar terras degradadas ou desertificadas, oferecendo segurança de energia para essas regiões – ou, de fato, todo o país, diz Lacerda. “Se instalássemos pequenos grupos semelhantes de painéis solares [like those used in the Ecolume model] exclusivamente em áreas degradadas ou desertificadas existentes, produziríamos energia suficiente para todo o país”, diz. Ao mesmo tempo, acrescenta, “criar sombra para essas áreas possibilita a recuperação do solo”.

De forma similar, pesquisadores da Oregon State University concluíram que, se os sistemas agrovoltaicos fossem instalados em menos de 1% das terras agrícolas nos EUA, poderiam suprir 20% da demanda de eletricidade do país. Isso teria o benefício adicional de uma redução significativa nas emissões de dióxido de carbono.

Com o Sistema Agrivoltaico Ecolume (SAVE), os usuários conseguiram produzir 17 tipos de vegetais e dois tipos de proteína animal. Também produz mudas de umbuzeiro nativo, que são doadas para reflorestamento do cerrado da Caatinga. Imagem cortesia de Ecolume.

Pouco interesse dos formuladores de políticas

“Já comprovamos que o Sistema Agrivoltaico Ecolume promove a segurança alimentar, hídrica e energética”, diz Sabino. “O que precisamos agora é de investimento, especialmente financiamento público, para poder treinar mais pessoas e instalar mais sistemas.”

Mas o modelo de “unidade familiar” da Ecolume para pequenas unidades distribuídas – que geraria benefícios ambientais, sociais e econômicos para um grande número de pessoas no semiárido nordestino e possivelmente em outras partes do Brasil – ainda não chamou a atenção dos formuladores de políticas. Lacerda diz ter apresentado o projeto em audiências nas câmaras baixa e alta do Congresso e discutido com ministros. Mas até agora, diz ela, “não há interesse”.

Mesmo o INSA, Instituto Nacional do Semiárido, que financiou a rede no início do projeto, não investiu na promoção. Não há menção ao Sistema Agrivoltaico Ecolume no Renova Semiárido plataforma digital desenvolvida pelo INSA em 2021 para divulgar projetos de energia renovável e sustentável na região.

Nem o sistema foi mencionado durante o evento digital Conecta Semiárido recentemente organizado pelo INSA para conectar players e discutir oportunidades na cadeia produtiva de energia renovável. A atual diretora do instituto, Monica Tejo, não respondeu aos pedidos de comentários da Mongabay.

Segundo Lacerda, a política pública atual continua sustentando o velho paradigma da produção em grande escala e das monoculturas em modelos de concentração de riqueza. Isso acaba desencorajando a replicação de projetos como o sistema Ecolume, diz ela.

“Precisamos de políticas públicas para incentivar esse novo sistema”, diz Lacerda. “O mais breve possível.”

Citações:

De Souza, M., & Versieux, B.H. (2021). Nexus água, energia e alimentos no contexto das mudanças climáticas: o caso do Nordeste do Brasil. Estudos Internacionais, 9(1), 112-130. Recuperado de http://periodicos.pucminas.br/index.php/estudosinternacionais/article/download/23090/18125

Lacerda, F. F., Lopes, G. M., Coutinho, R. D., Dos Santos, S. A., Da Silva, M. V., Sabino, H. B., & Lima, J. P. (2020). O Projeto Ecolume: O paradigma da abundância na convivência com o clima semiárido no Nordeste brasileiro. Revista Fitos, 14(2), 207-221. doi:10.32712/2446-4775.2020.941

Barron-Gafford, G. A., Pavao-Zuckerman, M. A., Minor, R. L., Sutter, L. F., Barnett-Moreno, I., Blackett, D. T., … Macknick, J. E. (2019). Os agrovoltaicos fornecem benefícios mútuos em todo o nexo alimento-energia-água em terras secas. Sustentabilidade da Natureza, 2(9), 848-855. doi:10.1038/s41893-019-0364-5

Adeh, E. H., Good, S. P., Calaf, M., & Higgins, C. W. (2019). O potencial de energia solar fotovoltaica é maior sobre as terras cultivadas. Relatórios Científicos, 9(1). doi:10.1038/s41598-019-47803-3

Proctor, K.W., Murthy, G.S., & Higgins, C.W. (2020). Os agrovoltaicos se alinham com as metas do Green New Deal ao mesmo tempo em que apoiam o investimento na economia rural dos EUA. Sustentabilidade, 13(1), 137. doi:10.3390/su13010137

Imagem do banner: Um sistema agrovoltaico no Colorado, nos EUA Imagem cortesia do Departamento de Energia dos EUA.

Esta história foi relatada pela equipe do Mongabay no Brasil e publicada pela primeira vez aqui no nosso site do Brasil em 23 de junho de 2022.

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