BRASÍLIA – No final de fevereiro, após 30 anos de debates no Congresso Brasileiro, Lei Complementar nº 179 entrou em vigor, conferindo “autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira” ao Banco Central do Brasil (BCB). A questão tem sido tão divisiva que o termo tradicional “independência” teve que ser substituído por “autonomia”, com menos carga política. Apesar desse e de outros compromissos, no dia seguinte à promulgação do projeto de lei, dois partidos políticos entraram com um ação na Suprema Corte questionando sua constitucionalidade.
Então, por que insistir em ter um BCB autônomo?
A nova lei de autonomia conclui um projeto institucional de longa duração que começou com a adoção de uma nova constituição pelo Brasil em 1988. Artigo 164 da Constituição estabeleceu dois pilares da independência do banco central: ao BCB foi concedida autoridade única para emitir a moeda oficial do Brasil e foi proibido de financiar o Tesouro ou conceder empréstimos a instituições não financeiras.
Esse quadro foi aprimorado em 1999, quando o Brasil reformulou suas políticas monetária e cambial, após uma grave crise financeira. Naquele ano, o país abandonou a paridade cambial ao dólar e passou a adotar um sistema de câmbio flexível, o que possibilitou a implantação de um regime de metas de inflação. Essa mudança reforçou a percepção de que o BCB gozava de independência de fato dentro do governo.
A nova lei significa que a autonomia do BCB passou a ser explicitamente garantida por lei federal. Além disso, a legislação acrescenta uma peça que faltava ao quadro jurídico que apoia a independência do banco central. Pela lei de autonomia, o presidente do BCB e oito diretores serão indicados pelo presidente do Brasil e confirmados pelo Senado, cumprem mandatos escalonados de quatro anos com possibilidade de recondução uma vez, podendo ser destituídos apenas por justa causa.
A lei de autonomia também desfaz o mito de que a independência do banco central cria uma superpotência institucional inexplicável. Embora o BCB não tenha “vínculos ou subordinação hierárquica a nenhum Ministério”, suas ações continuarão sujeitas a revisão judicial e fiscalização do Congresso. Por exemplo, a lei exige que o presidente do BCB “apresente ao Senado Federal, em audiências públicas a serem realizadas no primeiro e segundo semestres de cada ano, um relatório de inflação e um relatório de estabilidade financeira explicando as decisões tomadas no semestre anterior”.
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Assim, após três décadas, o plano constitucional do Brasil para um banco central independente, confiável e responsável está completo. Mas já é tarde demais? A inflação atualmente está baixa em muitos países, e a pandemia de COVID-19 está mostrando que, sem apoio monetário, os governos podem não ter poder de fogo fiscal suficiente para ajudar os necessitados. Alguns, portanto, argumentam que o justificativa teórica pois a independência do banco central é mais fraca do que antes.
Nós discordamos. Primeiro, mesmo quando a pressão inflacionária não é uma preocupação, os bancos centrais ainda precisam lidar com outras questões politicamente sensíveis. Desde estabelecer taxas de juros negativas e administrar reservas internacionais até fornecer assistência de liquidez ou até mesmo deixar um banco quebrar, muitas decisões dos bancos centrais podem se tornar controversas e sujeitas a pressão política. Os líderes mercuriais frequentemente demitido dirigentes de bancos centrais por outros motivos que não o aumento da inflação e taxas de juros
A independência do banco central é ainda mais importante quando a instituição recebe um mandato mais amplo, como aconteceu recentemente no Brasil. Além do “objetivo fundamental” do BCB de garantir a estabilidade de preços, a lei de autonomia acrescenta três objetivos secundários: “promover a estabilidade e a eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações no nível de atividade econômica e promover o pleno emprego”. Se o BCB não fosse independente, poderia ficar sob pressão política para usar sua autoridade mais ampla para defender as prioridades partidárias, potencialmente impedindo que os formuladores de política monetária encontrassem o equilíbrio certo entre seus múltiplos objetivos.
Em segundo lugar, a ideia de que qualquer governo no controle de sua moeda soberana pode usar a “máquina de impressão de dinheiro” Csem se preocupar sobre déficits de trilhões de dólares ou dívida nacional crescente é altamente enganoso. Controlar a pressão inflacionária criada pela emissão infinita de dinheiro pode ser relativamente simples para um punhado de países que têm uma moeda internacional amplamente aceita, taxas de juros estruturalmente baixas e uma dívida total (pública e privada) que é predominantemente denominada em sua própria moeda.
Para todos os outros países, inclusive o Brasil, criar moeda e abastecer a economia com liquidez é fácil, mas retirar o excesso de liquidez posteriormente é muito mais difícil. Muitos banqueiros centrais podem ter a coragem de implementar políticas de aperto impopular em resposta ao aumento da inflação. Mas eles podem acabar perdendo o emprego se sua instituição não for suficientemente independente.
A independência do banco central é uma escolha democrática que permite separar a criação de dinheiro do financiamento do governo, estabelecendo as bases para o crescimento econômico sustentável. Sem ela, os interesses coletivos e os valores públicos que os bancos centrais protegem e promovem estão em risco. A lei de autonomia brasileira deve ser celebrada – e tratada com cuidado.