A milhares de quilômetros ao sul de La Plata, Argentina, a designer industrial Edurne Battista compartilha sua experiência com famílias de agricultores da região, que estão preocupadas com tempestades cada vez mais frequentes que danificam suas instalações e causam cortes de energia, que afetam seus sistemas de irrigação. “As famílias percebem cada vez mais tempestades, com muito vento e chuva, e invernos mais curtos e amenos – e podemos corroborar isso com dados científicos. Em resposta, estamos procurando estratégias de adaptação”, disse Battista.
A comunidade montou novos reservatórios para estabilizar o abastecimento de água mesmo quando há falta de energia; realizaram treinamentos sobre restauração de solos para reduzir a dependência de agroquímicos; e introduziram práticas agroecológicas e diversificação de cultivos. No total, o projeto contou com cerca de 34 famílias como beneficiárias diretas, com impactos indiretos em mais de 400 famílias envolvidas no setor.
A iniciativa foi bem recebida pelos agricultores. “Estamos fazendo adubação verde, sem agrotóxicos, e deu certo. Isso nos permite não comprar insumos dolarizados, como agroquímicos. Eles também nos ensinaram a produzir nossa própria semente, e isso também nos economiza dinheiro”, diz a horticultora Sandra Cruz. E acrescenta: “Para mim, ser resiliente significa voltar à vida”.
Eliminando o fosso digital
Ter acesso a informações atualizadas em tempo real é fundamental para melhorar a capacidade das famílias agricultoras de se adaptarem às mudanças climáticas. Esse é o entendimento do NANUM Mulheres Conectadas projeto, que visa melhorar a conectividade e a alfabetização digital entre as mulheres na agricultura e promover seu papel como agentes de mudança. Faz parte do amplo Gran Chaco Proadapt programa que busca construir resiliência climática no bioma ameaçado.
Marcela Zamora é responsável pelo projeto no departamento boliviano de Tarija, no Gran Chaco do país, próximo às fronteiras do Paraguai e da Argentina. Lá, ela trabalha com mulheres de seis comunidades rurais, que foram treinadas no uso de diferentes hardwares, equipadas com melhores conexões de internet e auxiliadas na busca de informações úteis.
“Focamos em trabalhar com as mulheres porque são elas que costumam organizar a vida das comunidades. A principal ferramenta que oferecemos é a conectividade, sem a qual é impossível entender as mudanças no território hoje”, disse ela.
Zamora lembrou que o Gran Chaco é uma região altamente vulnerável às mudanças climáticas e foi duramente atingida por incêndios florestais nos últimos anos. Em um cenário de crescente incerteza climática, o acesso rápido a boas informações torna-se essencial.
“A conectividade é uma necessidade básica não atendida nas áreas rurais da Bolívia; é uma ferramenta que, se funcionar, possibilita o acesso a muitos outros direitos. O desafio para nós é chegar a essas comunidades com a internet, treiná-las em seu uso adequado e assim melhorar sua resiliência e adaptação a eventos climáticos extremos”, disse Zamora.
Mais gestão, melhor adaptação
Franco Bardeggia é agrônomo que coordena um programa regional da Aapresid (Associação Argentina de Produtores de Semeadura Direta) na província de Córdoba, no centro da Argentina. Lá, os produtores de soja e milho sofrem há anos com níveis excessivos de água causados pelo aumento dos lençóis freáticos, o que resulta em inundações periódicas e encharcamento.
“Nos últimos anos, a precipitação anual aumentou entre 100 e 200 milímetros. Isso, juntamente com algumas más práticas, gera problemas recorrentes de excessos que afetam a produção”, disse Bardeggia.
Estamos passando da produção baseada em insumos para a produção baseada em processos, o que agrega mais gestão, conhecimento e manuseio
Revisar práticas insustentáveis, aumentar as capacidades e conhecimentos de gestão e ter uma visão “holística” da agricultura como processo são apenas algumas das estratégias de adaptação com as quais Bardeggia está trabalhando, juntamente com 35 pequenas e grandes empresas da região cujas operações cobrem uma superfície total área de cerca de 100.000 hectares.
“Também fizemos um pouco de autocrítica porque, anteriormente, os campos nesta área eram sistemas mistos pecuário-agrícolas e as pastagens consumiam mais água. Depois a pecuária desapareceu e só se fez agricultura, então é hora de repensar a gestão”, explicou o agrônomo.
Isso significa adicionar plantas de cobertura que sirvam para gerar biomassa e não renda, pois melhoram a porosidade do solo e fornecem carbono, entre outros benefícios. “As mudanças climáticas estão impactando cada vez mais o desempenho do setor. É por isso que estamos passando da produção baseada em insumos para o que chamamos de produção baseada em processos, que agrega mais gerenciamento, conhecimento e manuseio”, resumiu Bardeggia.
Do específico ao geral
Segundo os especialistas consultados pela Diálogo Chino, o grande desafio da América Latina é dar um salto de escala, para que os projetos de adaptação e resiliência no setor agropecuário deixem de ser exceção e se transformem em políticas de Estado de amplo alcance.
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