América Latina desafia teorias culturais baseadas em comparações Leste-Oeste

Quando Igor de Almeida se mudou do Brasil para o Japão, há nove anos, a transição deveria ter sido relativamente fácil. Tanto o Japão quanto o Brasil são nações coletivistas, onde as pessoas tendem a valorizar as necessidades do grupo em detrimento das suas. E pesquisas mostram que os imigrantes se adaptam mais facilmente quando as culturas de origem e do novo país combinam.

Mas para Almeida, psicólogo cultural agora na Universidade de Kyoto, as diferenças culturais dos países eram impressionantes. Os japoneses priorizam relacionamentos formais, como com colegas de trabalho ou membros do mesmo “bukatsu”, ou clube extracurricular, por exemplo, enquanto os brasileiros priorizam os amigos em sua rede social informal. “Às vezes eu tento encontrar [cultural] semelhanças, mas é muito difícil”, diz Almeida.

Agora, novas pesquisas ajudam a explicar essa desconexão. Durante décadas, os psicólogos estudaram como a cultura molda a mente, ou os pensamentos e comportamentos das pessoas, comparando nações orientais e ocidentais. Mas dois grupos de pesquisa trabalhando independentemente na América Latina estão descobrindo que uma estrutura cultural que divide o mundo em dois é excessivamente simplista, obscurecendo nuances em outras partes do mundo.

Devido a diferenças de metodologia e interpretação, as descobertas das equipes sobre como pensam as pessoas que vivem nas nações coletivistas da América Latina também são contraditórias. E isso levanta uma questão maior: as teorias culturais abrangentes baseadas nas divisões Leste-Oeste se manterão ao longo do tempo, ou são necessárias novas teorias?

Seja qual for o desenrolar desse debate, os psicólogos culturais argumentam que o campo deve se expandir. “Se você tornar a maioria das culturas do mundo… invisíveis”, diz Vivian Vignoles, psicóloga cultural da Universidade de Sussex, na Inglaterra, “você entenderá todo tipo de coisas erradas”.

Tais equívocos podem comprometer alianças políticas, relações comerciais, iniciativas de saúde pública e teorias gerais sobre como as pessoas encontram felicidade e significado. “A cultura molda o que significa ser uma pessoa”, diz Hazel Rose Markus, cientista comportamental da Universidade de Stanford. “O que significa ser uma pessoa orienta todo o nosso comportamento, como pensamos, como nos sentimos, o que nos motiva. [and] como respondemos a outros indivíduos e grupos”.

Mais de 200.000 brasileiros vivem no Japão hoje. Mas, embora Brasil e Japão compartilhem uma estrutura cultural coletivista, os pesquisadores estão descobrindo que as pessoas pensam e se comportam de maneiras marcadamente diferentes, dificultando a assimilação. Aqui, os japoneses brasileiros tocam em tambores tradicionais japoneses “taiko”.Paulo Guereta/Wikimedia Commons (CC POR 2,0)

Cultura e mente

Até quatro décadas atrás, a maioria dos psicólogos acreditava que a cultura tinha pouca influência na mente. Isso mudou em 1980. Pesquisas com funcionários da IBM realizadas em cerca de 70 países mostraram que as atitudes em relação ao trabalho dependiam em grande parte do país de origem dos trabalhadores, escreveu o psicólogo organizacional da IBM Geert Hofstede em Consequências da Cultura.

Markus e Shinobu Kitayama, um psicólogo cultural da Universidade de Michigan em Ann Arbor, posteriormente aprofundaram os quatro princípios culturais de Hofstede: Individualismo versus coletivismo. A cultura influencia o pensamentoa dupla afirmou em um artigo agora amplamente citado na edição de 1991 Revisão psicológica. Ao comparar as pessoas principalmente no Oriente e no Ocidente, eles supuseram que viver em países individualistas (ou seja, ocidentais) levava as pessoas a pensar de forma independente, enquanto que viviam em países coletivistas (Leste) levava as pessoas a pensar de forma interdependente.

Esse artigo foi pioneiro na época, diz Vignoles. Antes disso, com a pesquisa psicológica baseada quase exclusivamente no Ocidente, a mente ocidental havia se tornado a mente padrão. Agora, “em vez de ser apenas um tipo de pessoa no mundo, há [were] dois tipos de pessoas no mundo”.

América Latina: um estudo de caso

Como o individualismo/coletivismo molda a mente agora sustenta o campo da psicologia transcultural. Mas os pesquisadores continuam a tratar o Oriente e o Ocidente, principalmente o Japão e os Estados Unidos, como protótipos, dizem Vignoles e colegas.

Para expandir além dessa lente estreita, a equipe pesquisou 7.279 participantes em 33 nações e 55 culturas. Os participantes leram declarações como “Prefiro pedir ajuda a outras pessoas do que confiar apenas em mim mesmo” e “Considero minha felicidade separada da felicidade de meus amigos e familiares”. Eles então responderam como esses comentários refletiam seus valores em uma escala de 1 para “nada” a 9 para “exatamente”.

Essa análise permitiu que os pesquisadores identificassem sete dimensões de independência/interdependência, incluindo autoconfiança versus dependência de outros e ênfase na autoexpressão versus harmonia. Surpreendentemente, os latino-americanos eram tão ou mais independentes quanto os ocidentais em seis das sete dimensões, informou a equipe em 2016 no jornal Revista de Psicologia Experimental: Geral.

A análise subsequente dos pesquisadores de quatro estudos compreendendo 17.255 participantes em 53 nações reafirmou amplamente essa descoberta surpreendente. Por exemplo, Latino-americanos são mais expressivos do que até ocidentais, Vignoles, de Almeida e colegas relatam em fevereiro em Perspectivas na Ciência Psicológica. Mas essa descoberta viola a visão comum de que as pessoas que vivem em sociedades coletivistas suprimem suas emoções para promover a harmonia, enquanto as pessoas em países individualistas se emocionam como uma forma de autoexpressão.

As nações latino-americanas são coletivistas, conforme definido por Hofstede e outros, mas as pessoas pensam e se comportam de forma independente, conclui a equipe.

A equipe de Kitayama tem uma visão diferente: os latino-americanos são interdependentes, apenas de uma maneira totalmente diferente dos asiáticos orientais. Em vez de suprimir emoções, os latino-americanos tendem a expressar emoções positivas e socialmente envolventes para se comunicar com os outros, diz a psicóloga cultural Cristina Salvador, da Duke University. Isso fomenta a interdependência, ao contrário da forma como os ocidentais expressam emoções para mostrar seus sentimentos pessoais. Os sentimentos dos ocidentais podem ser negativos ou positivos e muitas vezes têm pouco a ver com seu ambiente social – um sinal de independência.

Salvador, Kitayama e colegas fizeram com que mais de 1.000 entrevistados no Chile, Colômbia, México, Japão e Estados Unidos refletissem sobre vários cenários sociais, em vez de fazer perguntas explícitas como a equipe de Vignoles. Por exemplo, os entrevistados foram convidados a imaginar ganhar um prêmio. Eles então escolheram quais emoções – como vergonha, culpa, raiva, amizade ou proximidade com os outros – eles expressariam com familiares e amigos.

Os entrevistados da América Latina e dos Estados Unidos expressaram fortes emoções, relatou Salvador em fevereiro na conferência da Society for Personality and Social Psychology em São Francisco. Mas as pessoas nos Estados Unidos expressaram emoções egocêntricas, como orgulho, enquanto as pessoas na América Latina expressaram emoções que enfatizam a conexão com os outros.

Como a alta diversidade étnica e linguística da América Latina dificultava a comunicação com as palavras, as pessoas aprenderam a se comunicar de outras maneiras, diz Kitayama. “A emoção tornou-se um meio muito importante de comunicação social.”

Descentralizando o Ocidente

Mais pesquisas são necessárias para conciliar essas descobertas. Mas como essa pesquisa deve prosseguir? Embora uma mudança para uma estrutura mais ampla tenha começado, a pesquisa em psicologia cultural ainda depende do binário Leste-Oeste, dizem pesquisadores de ambas as equipes.

Psicólogos que revisam estudos para aceitação em revistas científicas ainda “querem uma amostra de comparação americana, branca e convencional”, diz Salvador. “[Often] você também precisa de uma amostra asiática.”

A primazia do Oriente e do Ocidente significa que as diferenças psicológicas entre essas duas regiões dominam as pesquisas e discussões. Mas ambas as equipes estão expandindo o escopo de suas pesquisas, apesar desses desafios.

A equipe de Kitayama, por exemplo, mapeia como a interdependência, que argumenta precede o surgimento da independência, pode ter se transformado à medida que se espalhava pelo mundo, em um artigo teórico também apresentado na conferência de São Francisco (SN: 07/11/19). Além da diversidade dando lugar à “interdependência expressiva” na América Latina, a equipe descreve a “interdependência discreta no leste da Ásia” decorrente da natureza comunal do cultivo de arroz, “interdependência auto-afirmativa” nas regiões árabes decorrentes da vida nômade e “ interdependência argumentativa” no sul da Ásia decorrente de seu papel central no comércio (SN: 14/07/14).

membros de uma comunidade nômade em uma tenda no Irã
A natureza do pensamento interdependente varia de acordo com a região do mundo, teoriza um grupo de psicólogos culturais. A “interdependência auto-apagável” surgiu nas comunidades do leste asiático devido à natureza cooperativa do cultivo de arroz, enquanto a independência auto-afirmativa” surgiu nas regiões árabes, como esta comunidade no Irã, devido à vida nômade mais solitária.Hamed Saber/Wikimedia Commons (CC POR 2,0)

Esta pesquisa começou com uma mentalidade “Ocidente e o resto”, diz Kitayama. Seu trabalho com Markus criou uma mentalidade “Leste-Oeste e o resto”. Agora, finalmente, os psicólogos estão lidando com “o resto”, diz ele. “O momento está realmente pronto para expandir este [research] para cobrir o resto do mundo.”

De Almeida imagina descentralizar ainda mais o Ocidente. E se os pesquisadores tivessem começado comparando Japão e Brasil em vez de Japão e Estados Unidos, ele se pergunta. Em vez do foco atual no individualismo/coletivismo, alguma outra faceta definidora da cultura provavelmente teria ganhado destaque. “Eu diria expressão emocional, isso é o mais importante”, diz Almeida.

Ele vê uma solução simples. “Poderíamos aumentar o número de estudos que não envolvem os Estados Unidos”, diz. “Então poderíamos desenvolver novos paradigmas.”

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